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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Lições das ocupações no Rio de Janeiro

Na postagem anterior, abordei a questão dos perigos do "auto despacho", por mais bem intencionado que seja, e também, por outro lado, da importância da identificação de recursos de ajuda mútua na fase de planejamento para a emergência. Esse é o momento de identificar forças e fraquezas, oferecer e pedir ajuda, forjar alianças e celebrar acordos de cooperação entre os vários participantes do gerenciamento da emergência. Os acontecimentos recentes no Rio de Janeiro trazem um exemplo de planejamento bem feito.

A imprensa nacional e estrangeira repercutiu a ocupação das favelas de Manguinhos e de Jacarezinho, no Rio de Janeiro, pelas Polícias Militar e Civil, com apoio dos Fuzileiros Navais e da Polícia Rodoviária Federal, feira no domingo, 14 de outubro. Não houve confrontos e as forças policiais não encontraram resistência na ação que durou apenas 20 minutos. A operação sofreu algumas críticas pela falta de prisões (a esse respeito, o secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, disse que "mais importante (que fazer de um bandido um troféu) é devolver o território para 70 mil pessoas sem derramar uma gota de sangue"). Apesar disso, a ocupação foi indiscutivelmente um sucesso do ponto de vista da coordenação dos diferentes recursos envolvidos.
 

Blindados da Marinha na ocupação de Manguinhos. (http://www.estadao.com.br/)
  

Relembrando, em novembro de 2010, em resposta a uma série de ataques perpetrados por marginais, o governo fluminense iniciou a ocupação da Vila Cruzeiro. Os policiais enfrentaram forte resistência e, em pouco tempo, passaram a utilizar seis blindados M113 da Marinha para transporte de tropas. A rápida mobilização dos blindados indica que a fase de planejamento foi feita corretamente. Além disso, a operação coordenou cerca de dois mil homens, entre policiais militares, civis, federais, militares da Marinha e Polícia Rodoviária Federal. Ainda em novembro, foi a vez do Complexo do Alemão ser ocupado, em uma operação conjunta de forças policiais, do Exército e Marinha.

Além de planejamento e coordenação de diferentes recursos sob um comando unificado, a recente ocupação traz como bom exemplo também o uso da tecnologia. Pela primeira vez em uma operação policial, o BOPE usou um equipamento LiveU de filmagem durante uma incursão, com transmissão das imagens em tempo real para o Posto de Comando da operação.

Embora ainda nosso país tenha um longo caminho a percorrer no Gerenciamento de Emergências, devemos  ficar atentos também para os nossos bons exemplos.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

"Só queria ajudar": os perigos do autodespacho


Cidade de Lebanon, Estado da Pensilvânia, Estados Unidos. Em uma noite de setembro deste ano, um incêndio irrompe em uma residência na 14th Street. Às 22h36, as primeiras unidades dos bombeiros da cidade chegam ao local. O fogo ameaça se espalhar para as casas vizinhas e, às 10h47, o Comandante do Incidente (IC) solicita um segundo alarme, conforme os procedimentos pré determinados. A viatura de bombeiros Tower 1, da cidade de Palmyra, a cerca de 15 Km do local, oferece seus serviços e começa a se dirigir ao local, em modo não emergencial.

O incêndio na cidade de Lebanon. (http://www.ldnews.com/)

O Comissário Duane Trautman, de Lebanon, que havia então assumido o posto de IC, dirige-se ao operador de rádio: “Tower 1, pode cancelar. Eles não têm nada que convidar-se para a Cidade de Lebanon. Podem voltar sem os nossos agradecimentos. Eu gostaria de um resumo de quem está respondendo ao segundo alarme – corretamente”.

A resposta ríspida (ouça o áudio original em inglês clicando aqui) desencadeou uma série de críticas. "Como fica a fraternidade dos bombeiros?", perguntavam alguns. Porém meus amigos, os Chefes Brian Kazmierzak e Billy Goldfeder, analisaram o acontecimento sob outro prisma, no website Firefighter Close Calls. O Comissário Trautman estava no comando do incidente. De acordo com a filosofia do Sistema de Comando de Incidentes (SCI), cabia a ele e somente a ele decidir quais recursos seriam necessários e quando. Ele foi ríspido demais? Creio que sim. Mas ele estava ocupado tentando cuidar de um incêndio e teve que lidar com mais uma distração. Ele próprio explicou o ocorrido no site de Dave Statter.

Os perigos do "autodespacho"

Autodespacho" (ou self-deployment, em inglês) significa que uma ou mais unidades de socorro se dirigiram ao local do incidente por "livre e espontânea vontade", sem terem sido requisitadas. Isso acaba sendo observado, na maioria das vezes, quando a resposta envolve mais de uma agência ou organização, como no acionamento dos planos de auxílio mútuo.

Nos Estados Unidos, os corpos de bombeiros são na sua maioria municipais e, dependendo da magnitude da ocorrência ou da existência de ocorrências simultâneas, a capacidade de resposta de um município pode ser excedida. Nesse caso, os bombeiros apelam para acordos de auxílio mútuo com cidades e/ou condados vizinhos, que auxiliam com seus bombeiros. Aqui no Brasil, a situação não é tão comum, dada a organização estadual dos nossos bombeiros. Embora bombeiros de diversas cidades possam responder, todos pertencem à mesma corporação. Mesmo assim, a capacidade de resposta pode ser excedida e aqui também existem os PAMs – planos de auxílio mútuo, envolvendo bombeiros, indústrias e outras entidades.

Simulado de acidente na Via Anchieta. Acidentes de trânsito de grande magnitude podem envolver a necessidade de auxílio mútuo. (http://www.atribuna.com.br/)


Bombeiros e demais socorristas querem ajudar seus companheiros e a população. Isso faz parte do que é ser um socorrista. Embora um comportamento altruísta, traz inúmeros riscos aos socorristas e a população. Um exemplo claro dos malefícios dessa prática foi visto na resposta ao atentado contra o World Trade Center. Sessenta bombeiros de folga morreram no colapso dos edifícios. Equipes de bombeiros compareceram ao local – sem terem sido despachadas para lá – e muitas equipes não se reportaram aos postos de comando, se autodespachando para as torres, sem nenhuma missão definida.

O autodespacho também tumultua a cena da ocorrência, pois o comandante tem que se preocupar com recursos não solicitados, desviando o foco do atendimento da ocorrência. Por outro lado, as unidades que se autodespacham para a ocorrência, deixam muitas vezes seus locais de origem sem cobertura de emergência. Suas indústrias ou organizações continuam com o risco de emergências, porém sem poder contar com seus socorristas.

Mas, o que fazer?

Qualquer organização pode ter sua capacidade de resposta excedida e ter que recorrer a ajuda externa. Por outro lado, as organizações podem e devem oferecer essa ajuda, porém na fase de planejamento e não durante a resposta. É nessa fase que os recursos disponíveis devem ser mapeados e acordos feitos. Dessa maneira, durante a resposta, o IC pode se concentrar em combater a emergência, sem se preocupar com o gerenciamento de recursos não solicitados.