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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Por quê as empresas não se preparam para os desastres naturais?


Apesar dos desastres naturais estarem constantemente na mídia e provocarem enormes prejuízos materiais e pessoais, em linhas gerais, as empresas insistem em não se preparar para esse tipo de evento.

A seguradora FM Global publicou um interessante estudo investigando as razões pelas quais as empresas falham no planejamento para fazer frente a desastres naturais.

Evasão de residentes do sul da Califórnia durante incêndios florestais em outubro de 2008. (http://www.nytimes.com)

A ameaça dos desastres naturais é bem real. O ano de 2011 teve perdas econômicas recordes em função das catástrofes naturais que assolaram o mundo. Os valores, segundo estimativas publicadas pela ONU e pelo Centro de Pesquisa sobre a Epidemiologia de Desastres, chegam a US$ 366 bilhões. O prejuízo representa um aumento de 50% em relação ao recorde anterior, de US$ 243 bilhões (atingido em 2005).

As mudanças climáticas globais tendem a provocar mais eventos climáticos extremos. Conforme notado pelo geólogo James L. Powell no e-book “Rough Winds: Extreme Weather and Climate Change”, uma nevasca dom 23,2 polegadas de neve ocorreu em 19 e 20 de dezembro de 2009 e outra de 28,5 polegadas ocorreu em 5 e 6 de fevereiro de 2010, na Filadélfia, Estados Unidos.  Ambas são consideradas tempestades do tipo “uma a cada cem anos”, mas ocorreram com seis meses de intervalo.

O Dr. Powell lembra também da tempestade tropical Anita, em março de 2011, o segundo evento desse tipo a atingir o solo na história do Brasil.

Enchente em Itajaí, Santa Catarina, em 2008. (http://www.grupodiretiva.com.br)
As empresas de seguros, em especial as grandes resseguradoras internacionais, mostram-se preocupadas em estimar riscos que não refletem o histórico dos sinistros já atendidos, especialmente agora que três estados norte-americanos passaram a exigir que as seguradoras informem seus planos para responder às mudanças climáticas globais.

Apesar de todos esses fatos, a grande maioria das empresas ainda insiste em não se preparar para os desastres naturais. Por quê?

Nas postagens de 23/12, 30/12, 06/01, 13/01 e 03/02, abordamos a psicologia de emergência e como o comportamento dos envolvidos em emergências e desastres nem sempre é aquele que esperamos, ditado pelo senso comum. Veremos agora como a psicologia de emergência pode elucidar não somente o comportamento daqueles que se veem apanhados em uma emergência, mas também daqueles que deveriam se preparar para enfrenta-la.

A Falácia de Monte Carlo

Um comportamento humano curioso é aquele que se manifesta quando um desastre ocorre e se tem a sensação de que outro não irá ocorrer novamente, pelo menos tão brevemente. Imagine-se na Filadélfia, após a nevasca de dezembro de 2009. Nosso cérebro provavelmente esperaria que outra nevasca do tipo “uma a cada cem anos” ocorreria somente em 2109 e não meio ano depois!

Esse pensamento é conhecido como a "Falácia de Monte Carlo", que consiste na crença de que se o vermelho saiu várias vezes na roleta, é mais provável que da próxima vez saia o preto. Em 1913, no famoso casino, a bola caiu no preto 26 vezes seguidas, evento extremamente improvável, fazendo com que os apostadores perdessem milhões de Francos. Os apostadores concluíram – incorretamente – que após a sequencia de pretos, deveria haver uma sequencia de vermelhos. Porém, como os eventos são independentes, isso não aconteceu.

Existe até uma piada utilizando essa falácia... “Se vai viajar num avião comercial, leve uma bomba consigo por questões de segurança. A probabilidade de não haver duas pessoas com uma bomba no mesmo avião é avassaladora”.

Quando um gestor de uma empresa não se prepara para um desastre natural do mesmo tipo que já aconteceu naquele local, por julgar improvável demais que o evento se repita (pelo menos na sua carreira naquela empresa), a Falácia de Monte Carlo entra em ação, impedindo o correto planejamento e aumentando as chances da empresa não sobreviver ao próximo desastre natural.

Na próxima postagem, veremos um pouco de estatística e mais alguns aspectos que influenciam a falta de preparação para esse tipo de cenário e o que pode ser feito para mudar a situação.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O naufrágio do Costa Concordia e a comunicação em crises

Entre as muitas lições que serão tiradas do naufrágio do transatlântico, algumas certamente serão sobre comunicação. Ainda é cedo para julgar se o caso é um bom ou mau exemplo, mas tudo indica que a comunicação deixou a desejar.


No domingo imediatamente após o acidente, na página principal do site brasileiro e italiano, havia os telefones da central de atendimento e um link para uma página com declarações da empresa. 
O site americano, por sua vez, não trazia nada de diferente na página inicial e, ao se escolher os Estados Unidos como país, havia o aviso de servidor sobrecarregado.


O Twitter da Carnival, empresa controladora da Costa Crociere (e de quase metade do mercado de transatlânticos) trazia alguns links para as mesmas mensagens dos sites. Porém, o CEO Micky Arison não fez nenhuma aparição pública para comentar sobre o acidente e sua conta no Twitter não trazia nada sobre o acidente, apenas sobre o seu time de basquete do coração, o Miami Heat.

Porém, o que parece minar a credibilidade da comunicação da empresa é o teor "indeciso" das comunicações, que no dia 14 era "capitão Francesco Schettino (...) percebeu a gravidade da situação e imediatamente deu início a uma manobra cujo objectivo foi a segurança dos passageiros e da tripulação, começando com os procedimentos de segurança de forma a preparar uma eventual evacuação do navio".


Cinco dias depois, a imprensa publicou que Marco De Luca, advogado da Costa, "condenou o comportamento do comandante do cruzeiro, Francesco Schettino, acusado de ter desviado sem autorização a embarcação de sua rota causando o naufrágio, que provocou a morte de onze pessoas e mais de vinte desaparecidos".


O desenvolvimento desse caso triste merece ser acompanhado de perto por todos interessados no Gerenciamento de Emergências.


Em tempo: falando em comunicação, o blog "Crisisblogger" publicou uma postagem sobre o ex-gerente de comunicação da BP, com links para vídeos de sua entrevista pelo Skype (infelizmente em alguns momentos o som deixa a desejar):

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Crises em segurança pública e preparação para emergências


A crise gerada pela greve da Polícia Militar do Estado da Bahia, que assumiu proporções gravíssimas, trouxe impactos diretos para empresas, quando lojas e supermercados foram saqueados e eventos foram cancelados, e impactos indiretos, como a diminuição do fluxo de turistas, que pensam em cancelar suas viagens, especialmente após o governo dos EUA desaconselhar viagens não essenciais ao estado.
Tropas do Exército chegam a Salvador. (http://www.defesanet.com.br/)

A greve da PM baiana não é um fato isolado. Outras quatro polícias estaduais já haviam paralisado as atividades apenas no Governo Dilma Rousseff. A PM do Rio de Janeiro também entrou em greve hoje, embora aparentemente com impactos menores, por conta da preparação do governo fluminense. São Paulo, que também enfrentou uma greve da Polícia Civil, já havia sofrido as consequências de uma crise de segurança pública em 2006, durante os ataques do PCC.

Não cabe aqui discutir as reivindicações dos grevistas e nem os meios de promovê-las. Para isso existem outros fóruns. Da perspectiva do Gerenciamento de Emergências, gostaria de discutir a preparação das empresas e outras organizações para esse tipo de evento, infelizmente não tão improvável assim. E se houvesse uma deterioração da segurança pública aqui e agora, sua organização estaria preparada para enfrentar a crise?
Cena do filme "Salve Geral", sobre os ataques do PCC em 2006. (http://noticias.r7.com/)

Não há fórmula pronta para a preparação para crises na segurança pública, porém o processo se inicia com a identificação da ameaça, como em todo planejamento de emergência. Ao reconhecermos uma ameaça, indiretamente estamos também identificando uma vulnerabilidade. As ameaças por definição são eventos não controláveis, o que dificulta, portanto, a sua neutralização.

No caso das ameaças provocadas pelo homem, como o que estamos discutindo, o trabalho deverá ser no sentido de diminuir as vulnerabilidades. É possível reforçar a segurança física de áreas e instalações, por exemplo, com a contratação de profissionais especializados? Nesse caso, as empresas já foram previamente selecionadas? Outra medida poderia ser o trabalho à distância, utilizando computador e telefone. Nesse caso, os funcionários afetados já foram identificados? Como serão comunicados da decisão?

Muitas vezes, a ação a ser tomada é a suspensão das atividades, a fim de evitarem-se prejuízos maiores. Nesse caso, essa ação também que ser planejada.

Levando em conta que as questões de segurança pública são normalmente externas à organização, como pensar em todas as ameaças? Quem no mundo corporativo poderia imaginar que a PM entraria em greve ou que um grupo de criminosos atacaria o Estado? A grande vantagem de fazer o planejamento de emergências baseado em uma análise de ameaças e riscos é que após a identificação de ameaça e do dano, a resposta para um evento serve para muitos outros. Assim, não importa se a crise é devido a uma greve policial, ataque terrorista ou mesmo eventos não diretamente relacionados com a segurança pública, como uma greve nos transportes ou ainda uma pandemia, várias ações podem ser as mesmas.

O certo é que uma crise de segurança pública – como outras – irá acabar depois de algum tempo. Nesse momento, as organizações que já haviam identificado a ameaça e se preparado irão voltar à normalidade muito mais facilmente.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Lutar ou fugir: outro mito no planejamento de emergências?


O Professor Cannon.

Voltando ao comportamento humano em caso de emergências, vamos analisar o comportamento de “lutar ou fugir”. O uso do termo para descrever o comportamento humano em situações de ameaça foi cunhado pelo Professor Walter Cannon, de Harvard, em 1927, ao expor que alterações corporais nos animais, como o aumento do açúcar no sangue, a produção de adrenalina e a circulação alterada, são adaptações biológicas para situações de provável dor e excitação emocional, com a necessidade de lutar ou fugir.

Atualmente é bastante difundido o conceito de que os seres humanos, quando expostos a situações de medo ou estresse extremo, como as encontradas durante emergências, irão de modo imediato apresentar o clássico comportamento de “lutar ou fugir”, isto é, irão enfrentar a situação diretamente ou tomar uma ação evasiva.

Levando em conta essa crença, conforme observa o psicólogo inglês John Leach, sistemas para escape, evacuação, e resgate são projetados com a premissa de que as pessoas serão próativas em face do perigo.

Porém, estudos mais recentes propõem uma revisão nesse comportamento de “lutar ou fugir”, sugerindo que a seqüência de comportamentos de mamíferos frente a uma ameaça pode ser mais corretamente caracterizada como paralisia, luta, fuga e espanto (in inglês, “fright”).

A primeira reação instintiva da seqüência é a paralisia, também chamada de hipervigilância. Nesse estado, cessam praticamente todos os movimentos, exceto os relacionados à respiração e o movimento dos olhos. Conforme o pesquisador H. Stefan Bracha,
essa resposta inicial de paralisia é a tendência de ação de “parar, olhar e ouvir” associada com o medo. Presas que ficam “paralisadas” durante uma ameaça tem maior probabilidade de evitar a captura, porque o córtex visual e a retina dos mamíferos carnívoros (e, em grau menor, do Homo sapiens macho) evoluíram primariamente para detectar objetos em movimento e não cor.

A paralisia dificulta a localização da presa pelo predador.
Na paralisia, o animal prepara-se para o comportamento seguinte, a fuga, já que a tentativa de lutar ocorre apenas depois de esgotadas as possibilidades de fuga. Assim, a ordem correta das reações seria “fugir ou lutar” e não “lutar ou fugir”.

A resposta de espanto, também conhecida como imobilidade tônica, ocorre durante o contato físico direto do carnívoro (ou do predador humano). Esse comportamento ancestral baseia-se na premissa de que uma preza capturada tem mais chances de escapar ficando imóvel do que lutando, já que o predador pode pensar que ela já está morta e afrouxar a mordida. Esse tipo de comportamento inconsciente é considerado por alguns como uma explicação para a apatia de algumas vítimas de violência sexual durante o ataque.

No livro “In Harm´s Way”, o autor Doug Stanton conta a história do naufrágio do USS Indianapolis, torpedeado por um submarino japonês em 1945, e da luta pela sobrevivência dos marinheiros que se salvaram. Nos momentos entre o cruzador ser atingido e ir a pique, alguns tripulantes reagiram de maneiras estranhas: um retornou aos seus aposentos para terminar cartas para casa, outro parou para cortar as unhas dos pés e outro ainda fez um sanduíche e comeu. Um dos sobreviventes conta que apesar do medo da morte, simplesmente não tinha desejo de sair de uma das salas do navio, até que escutou alguém gritar para que abrisse uma escotilha. Nesse momento, saiu do estado de apatia e conseguiu escapar. Nesse caso, a imobilidade tônica se confunde com o comportamento do viés de normalidade, abordado na postagem do dia 6 de janeiro.
O U.S.S. Indianapolis.

O naufrágio do MV Estonia no Mar Báltico, em 28 de setembro de 1994 serve novamente como caso de estudo para o comportamento humano em desatres e emergências. Conforme a Joint Accident Investigation Commission of Estonia, Finland and Sweden, no relatório emitido em 1997, alguns passageiros foram vistos sentados, parados, incapazes de fazer nada, paralisados e aparentemente incapazes de compreender o que estava acontecendo. O relatório fala de pessoas ficando passivas, apesar de possibilidades razoáveis de escape. Das 989 pessoas a bordo, 852 perderam a vida.

Em 14 de fevereiro de 2008, um ex-estudante invadiu uma sala da Universidade de Illinois Norte na cidade de DeKalb, matando 5 pessoas, ferindo 18 e suicidando-se em seguida, num episódio que ficou conhecido como o “tiroteio da Universidade de Illinois Norte”. Conforme um relatório pós incidente da U.S. Fire Adminsitration, quando as primeiras equipes da polícia do campus entraram na cena do tiroteio, encontraram cerca de seis estudantes ainda sentados em seus lugares, em choque.

Planejamento de emergências

Muitas empresas empregam a figura do coordenador de abandono, que pode ser membro ou não da Brigada de Incêndio, com a função de reunir os funcionários e conduzi-los em segurança a um ponto de encontro pré-determinado, caso seja determinada a evasão da área ou edificação. No World Trade Center em 2001, o sistema de coordenadores de abandono, chamados de “Fire Marshalls”, estava em uso, porém, conforme estudos posteriores, 94% deles jamais havia saído dos prédios como parte de um treinamento e apenas 50% se disseram capazes de se evadir dos prédios sozinhos.

O sistema de coordenadores de abandono pode ser utilizado com sucesso, desde que eles sejam corretamente treinados para a evasão segura da edificação e estejam visivelmente identificados. O coordenador deve ainda ter uma postura ativa, não somente conferindo os presentes e conduzindo-os para as saídas de emergência, mas dando instruções objetivas e de modo claro, em voz alta, se necessário com o auxílio de megafone, de forma a neutralizar a reação de hipervigilância e/ou imobilidade tônica.

Confirmando essa ideia, Amanda Ripley cita o caso de uma funcionária do World Trade Center 1 que, após a colisão do avião com a torre, relatou que não teve vontade de abandonar o edifício, até que um colega gritou “saia do prédio”, quando então iniciou a evasão.

Mais uma vez, o conhecimento dos mecanismos da atuação humana frente a emergências e desastres pode eliminar a visão distorcida de como os envolvidos irão se comportar – a mitologia dos desastres. Assim, conceitos utilizados durante a fase de pré-crise irão levar a uma previsão mais realista de como será o comportamento das pessoas na situação emergencial.