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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ainda sobre o pânico - Afiliação


Um comportamento comumente encontrado em emergências e muito diferente do pânico é a chamada afiliação. Conforme o Professor John Drury, da Universidade de Sussex, quando somos ameaçados, nós somos motivados a procurar pelo familiar ao invés de simplesmente se evadir.

Experimentos sobre o escape de pessoas de uma sala grande com uma porta principal e uma saída de emergência mostram que, de maneira geral, os funcionários saíram pela saída de emergência, enquanto membros do público separados de seus grupos saíram pela mesma porta que entraram, mostrando a importância da afiliação em uma situação de incêndio.

Esse tipo de comportamento, embora sem ter características relacionadas ao pânico, como comportamentos egoístas e competitivos, nem sempre significa que a probabilidade dos envolvidos conseguirem escapar com segurança da ameaça seja maior. Segundo o Professor Anthony Mawson, o comportamento típico sob ameaça física é a afiliação, isto é, a “(...) busca da proximidade de pessoas e lugares conhecidos, mesmo que isso possa envolver aproximação ou permanência em uma situação de perigo; na verdade, a separação dos afiliados é um estressor maior do que o perigo físico propriamente dito”.


Em outubro de 1938, Orson Welles narrou a história de “A Guerra dos Mundos” no rádio como se fosse um noticiário verdadeiro. Embora possamos considerar que as condições para existência do pânico estivessem presentes, a vasta maioria das pessoas que ouviram o programa e ficaram aterrorizadas ao pensar que se tratava de um ataque alienígena real não entrou em pânico ou fugiu, mas contatou parentes e amigos. A maioria daqueles que fugiram não tinha familiares na área ou fugiu apenas após reunir-se com outros membros da família.

No próximo post, vamos examinar um dos motivos para a aparente apatia que pode ocorrer em emergências: o viés de normalidade.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pânico


Muitas vezes, projetos de sistemas de emergência e planos de abandono ou atendimento são elaborados levando em conta apenas aspectos técnicos, sem considerar características do comportamento humano.
Embora os códigos de segurança atuais reflitam uma compreensão mais profunda do comportamento humano em emergências, ainda existem vários mitos sobre como iremos nos comportar quando ameaçados. Os próximos três posts irão examinar um dos mais conhecidos, o pânico.
Primeiramente é necessário compreender o significado da palavra pânico. Segundo o Aurélio, pânico pode ser definido como “susto ou pavor repentino, às vezes sem fundamento, que provoca uma reação desordenada, individual ou coletiva, de propagação rápida”.

Em 2008, no tiroteio da Universidade de Illinois Norte, quando as primeiras equipes táticas entraram na cena do crime, não encontraram pânico, mas alguns estudantes ainda sentados em seus lugares, em choque. (Chronicle photo by Eric Sumberg Daily-Chronicle.com)

Uma definição mais apropriada para emergências é usada pelo Professor de Epidemiologia da Universidade do Mississipi, Anthony Mawson: “O termo ‘pânico’, refere-se ao medo e/ou fuga inapropriados (ou excessivos) e ao medo e/ou fuga altamente intensos”.
Existe uma idéia generalizada entre o público e alguns gestores de emergência de que uma população sujeita a uma situação de emergência ou desastre irá necessariamente entrar em pânico. 
Conforme o psicólogo peruano Santiago Valero Alamo, “há uma imagem popular predominante de como as pessoas reagem durante um desastre. (...) Presume-se que os indivíduos, especialmente em um momento de emergência, estarão aterrorizados e agindo irracionalmente. Também estarão atordoados e incapazes de cuidar de si mesmos. Acredita-se que se comportarão de forma antissocial, que estarão psicologicamente traumatizados ou psicologicamente incapacitados e reagirão de forma egoísta e egocêntrica, durante e imediatamente após uma ameaça de desastre”. Já a saudosa pesquisadora Guylène Proulx afirmava que “a mídia e o público em geral frequentemente mencionam o potencial de pânico em massa durante incêndios, imaginando uma multidão que repentinamente quer fugir do perigo a todo custo, possivelmente sendo pisoteada ou esmagada durante o processo”.
Porém, estudos têm demonstrado que o pânico da multidão ou pânico em massa é uma ocorrência incomum diante de vários tipos de situação de emergência ou ameaça.
Por exemplo, em situação de combate o fenômeno ocorre raramente, mesmo em ataques aéreos sobre populações civis, nos quais é significante e surpreendente o baixo número de episódios de pânico.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a idéia de que desastres trazem à tona o pior do comportamento humano, como tumultos e saques é um mito. A organização coloca que, “embora existam casos isolados de comportamento antissocial (...), a maioria das pessoas responde de modo espontâneo e generoso”.
Apesar de o pânico ser raro, ele ainda pode existir em algumas situações, conforme observa a jornalista Amanda Ripley, autora do livro “Unthinkable”: “a moda atual em pesquisa sobre desastres é negar que o pânico ocorra. (...) Mas somente porque o pânico é raro, não significa que não devemos discuti-lo. Pânico ocorre”.
O sociólogo Enrico Quarantelli, um dos principais pesquisadores sobre o tema, concluiu que para a existência de pânico são necessárias três condições: as pessoas devem ter a sensação que estão sendo aprisionadas, devem ter uma grande sensação de impotência e um profundo isolamento. Com a presença desses três elementos, o surgimento do pânico é uma possibilidade que deve ser levada em conta. É importante notar que a sensação ou ameaça de aprisionamento é mais relevante que a certeza ou crença que não há saída, ocasião onde o pânico também não costuma ocorrer.
No próximo post, vamos continuar examinando o pânico, agora discorrendo sobre a "afiliação".




sábado, 10 de dezembro de 2011

Verbas para Defesa Civil e preparação para desastres


Dinheiro não falta. Pelo menos é o que parece...
Desastre natural na Região Serrana do Rio de Janeiro

Parece claro que o problema está no planejamento e distribuição dos gastos (sem falar na corrupção). Para melhorar a situação, os recursos deveriam ser destinados com critérios técnicos – e não políticos – e por pessoas com conhecimento do assunto – e não políticos. E isso somente vai mudar se a população – nós – começar a se preocupar com o assunto e pressionar nossos eleitos, tanto do executivo quanto do legislativo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Ainda sobre ocorrências com reféns

No post anterior, acabei destacando ocorrências onde reféns perderam a vida. O que não enfatizei é que a aplicação do Sistema de Comando de Incidentes (ou outro sistema equivalente), aumenta a segurança não somente das vítimas, mas também - e principalmente - dos policiais e socorristas.
Sei que é temerário analisar qualquer caso à distância e com base apenas em relatos da imprensa, mas parece que a não aplicação de um sistema formal de comando foi um dos fatores que contribuíram para a morte de um oficial da PM em São Paulo, nesta semana.
Que fique claro que não quero culpar o major que, como disse o Comandante da PM, foi um herói. O que necessita de melhorias é o sistema como um todo.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Ações envolvendo reféns


No caso paulista, inicia-se agora a discussão para ver de onde partiu a bala que matou o refém, porém, do ponto de um ponto de vista estratégico, isso não faz diferença. A autoridade policial está (ou deveria estar) no comando da situação e jamais usar de força letal se houver o risco (ou suspeita de risco) de atingir inocentes, a não ser em situações muito excepcionais, o que não aconteceu em nenhum dos dois casos.
Não quero criticar as ações policiais, mas parece que a polícia brasileira (de modo geral) não está suficientemente preparada para o uso controlado da força. Quando falamos em gerenciamento de emergência, temos que lembra que não estamos falando somente da resposta (resgate, incêndio, produtos perigosos e primeiros socorros), mas de crises de um modo mais amplo, de modo que esse assunto é de interesse por parte de gestores de emergência.
Justiça seja feita: nem todas as situações com reféns acabam mal. Quando estava terminando este post, vi duas notícias recentes sobre reféns liberados e suspeitos presos sem violência, em Pirassununga, SP e também em Belo Horizonte. As ações desastrosas repercutem mais na imprensa e permitem o estudo dos casos por parte dos não diretamente envolvidos.
Classicamente, uma situação com reféns envolve na fase inicial de resposta, o isolamento, a contenção, o controle e a comunicação, o que parece que não ocorreu. Em seguida, viriam as fases de distribuição estratégica, com o posicionamento de equipes táticas, estabelecimento de perímetros e posto de comando, de negociação e, finalmente, a fase de resolução com a rendição dos suspeitos ou, apenas em último caso, com ação tática para resgate de reféns.
Em junho de 2000, na zona sul do Rio de Janeiro, um ônibus foi sequestrado por um delinquente, num caso também com final trágico, dessa vez envolvendo a tropa de elite da polícia fluminense, o BOPE. Em um curso, fiz há algum tempo uma análise do caso, da perspectiva de um gestor de emergências, utilizando a abordagem clássica do assunto. A análise foi feita com base em notícias e entrevistas disponíveis na internet e não necessariamente representam a realidade, em especial nas questões consideradas sigilosas pelas autoridades, como o fluxo de informações na cadeia de comando, entre outras.
Na fase de resposta, embora o criminoso tenha sido contido no ônibus pela guarnição do 23º BPM que havia abordado o veículo inicialmente, não houve um isolamento efetivo pelas guarnições que chegaram em seguida, conforme indica a presença de curiosos e dos próprios jornalistas. Aparentemente, iniciou-se a comunicação com as primeiras equipes presentes.
Embora a fase inicial já tenha apresentado algumas falhas, foi na fase de distribuição estratégica que se iniciou a cadeia de erros que iria culminar com o desfecho desastroso do episódio.  Não houve estabelecimento de um posto de comando funcional, visto que o comandante da operação (IC), então comandante do BOPE, ficou em grande parte do tempo na linha de frente, confundindo-se com o negociador. A ausência de comando efetivo refletiu-se na falta dos perímetros e posicionamento das equipes táticas do BOPE de forma aparentemente autônoma. Houve também a ausência do posicionamento de “snipers”, que poderiam vigiar e fornecer informações importantes sobre a situação no ônibus, além de executar tiros de precisão, se necessário.
Já na fase de negociação, os erros continuaram. O negociador designado para o caso foi um capitão, também do BOPE.  Questiono o fato de o negociador fazer parte também da unidade de ação tática. Mesmo que no momento da negociação ele não tivesse o papel tático, vestia a farda negra com a hoje famosa insígnia da “faca na caveira”. Uma ressalva aqui seja feita, já que dada a imagem estereotipada de corrupção e incompetência das tropas regulares da PMRJ à época (que não necessariamente representava a verdade), o criminoso poderia sentir mais confiança negociando com um oficial do BOPE.
Toda a negociação foi feita em voz alta ou através de gestos, sem o uso de telefones celulares ou radiocomunicação e, pior, feita “cara a cara”, sem o uso de escudo balístico ou outra proteção, colocando em risco a segurança do negociador e também de toda a operação. Conforme exposto anteriormente, o IC colocou-se na linha de frente e assumiu a negociação em vários momentos, desautorizando o negociador e confundindo o marginal, que passou a negociar com duas pessoas diferentes.
Também não consta que familiares do criminoso ou dos reféns tenham sido contatados pelos policiais nessa fase.
A fase de resolução poderia ter acontecido antes, caso as fases anteriores houvessem acontecido corretamente. Às 15h50 (1h20 do início da situação), o marginal dispara contra os espectadores e às 17h40 encena a execução de uma refém, fatos suficientes para desencadear uma ação tática, preferencialmente um tiro de precisão. Porém, consta que o então Governador do Estado havia dado ordens expressas ao IC, através do celular, para que o criminoso fosse poupado, numa clara ingerência política sobre uma questão técnica e legal.
Apesar dos erros anteriores, às 18h45 o marginal sai do coletivo com uma refém e o evento mostrava-se a caminho de uma resolução sem mortes. Apesar de drogado e de ter tomado atitudes que poderiam (e deveriam) ter iniciado uma ação tática, o criminoso mostrou também sinais que tinha expectativa de sair vivo e – relativamente – bem do evento, como o fato de ter pedido emprego ao negociador. A meu ver, a rendição do marginal e resolução pacífica da situação era questão de tempo.
Nesse ponto houve a ação tática do BOPE, quando um soldado do batalhão aproximou-se do marginal e atirou um com uma submetralhadora HK MP-5, porém não conseguiu neutralizar o criminoso, que disparou e matou a refém. Embora o inquérito da Polícia Civil indique que o soldado agiu cumprindo ordens, a ação tem toda a aparência de uma atitude autônoma (“free lancer”), inadmissível em uma situação como essa. A arma e a abordagem também não foram adequadas, pois uma análise do vídeo da ação mostra que o bandido virou-se para o policial, possivelmente ao escutar o ruído do destravamento da submetralhadora, o que fez com que o atirador perdesse a oportunidade de neutralizar o marginal.
Como corolário para a desastrosa operação, o sequestrador, já desarmado e sob custódia da polícia, foi morto por asfixia dentro da viatura do BOPE que o conduzia. Os policiais envolvidos foram posteriormente inocentados. O livro “Elite da Tropa 2” traz um interessante relato do que teria acontecido na viatura, em uma das muitas ramificações da história.
Em um balanço final, embora “apenas” um refém tenha sido morto pelo criminoso e os demais salvos, mesmo essa morte e a morte de próprio marginal poderiam ter sido evitadas com um melhor gerenciamento da situação. Embora nos meses que se seguiram o caso tenha sido considerado um divisor de águas e um aprendizado para que situações semelhantes nunca mais acontecessem, a realidade mostrou-se diferente, como aconteceu no caso de Santo André, em outubro de 2008, e agora nos casos mais recentes.