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sábado, 28 de abril de 2012

Tempestade solar e planejamento de emergências


Uma tempestade solar anunciada como a mais forte em cinco anos atingiu a Terra em 8 de março. O fenômeno fez com que algumas companhias aéreas desviassem seus voos, ameaçou interrupções de energia e causou uma impressionante aurora boreal, mas nada muito além disso.  


Quer dizer que podemos esquecer dessa ameaça? Cenários como o do "Desastre Perfeito" do Discovery Channel ("Sob a superfície ardente do sol, uma poderosa força poderia nos fazer regressar à Idade da Pedra") são puro exagero? 


Infelizmente, não é bem assim.
Labareda solar fotografada em 2001. (http://news.discovery.com/)


O Sol é a nossa fonte de energia e luz. Pela proximidade com a Terra, ele se torna a estrela de interesse mais imediato para nós. De uma forma geral, é uma esfera gigante de gás incandescente, alimentada por reações termonucleares que ocorrem no núcleo. Já o vento solar é um fluxo de partículas ionizadas, predominantemente núcleos de hélio ionizados e elétrons. É resultado da enorme diferença de pressão entre a coroa solar e o espaço interplanetário, sendo empurrado para longe do Sol apesar da grande atração gravitacional que sofre. O vento é acelerado a velocidades muito altas, da ordem de centenas de quilômetros por segundo. 


Existem basicamente três tipos de tempestades solares:


As labaredas solares são explosões violentas na atmosfera do sol. Pode demorar até oito minutos para sentirmos os efeitos das erupções na Terra, que pode incluir a perda de comunicação de alta freqüência e impactos sobre GPS e sistemas de radar. Os efeitos podem durar de minutos a cerca de três horas. 


Tempestades de radiação solar são os níveis elevados de radiação que ocorrem quando os números de partículas energéticas aumentam. Os efeitos são sentidos na Terra de 30 minutos a várias horas mais tarde, e com duração que pode durar de horas a dias. Esse tipo de tempestade pode afetar os sistemas de satélite, e há preocupações de que poderia também interromper os sistemas de comunicações. 


Tempestades geomagnéticas são o maior dos três tipos e são causadas por ejeções de massa coronal, explosões em uma região ao redor do sol chamada a corona. Os efeitos podem chegar na Terra de 20 a 90 horas mais tarde, assim avisos podem ser emitidos com antecedência. Esse tipo de tempestade pode causar amplos impactos para GPS e rede elétrica; tempestades geomagnéticas também podem causar danos intensos aos transformadores, o que poderia interromper o fornecimento de energia elétrica.


Tempestade solar de 1859 


Em primeiro de setembro de 1859, o astrônomo britânico Richard Carrington observou uma enorme labareda solar, o que causou uma enorme ejeção de massa coronal (CME). Como efetio, em 1, e 2 de setembro, a maior tempestade geomagnética registrada até então ocorreu. As auroras foram vistas ao redor do mundo, principalmente sobre o Caribe. Sistemas de telégrafo de toda a Europa e América do Norte falharam. Em alguns casos, os operadores de telégrafo sofreram até choques elelétricos. Equipamentos telegráficos soltaram faíscas e papel de telegrafo chegou a pegar fogo espontaneamente. Alguns sistemas de telégrafo pareceram continuar a enviar e receber mensagens, apesar de ter sido desligado a partir de suas fontes de alimentação.


Planejamento de emergências


As tempestades solares podem causar basicamente dois tipos de eventos de interesse aos gestores de emergência: 


Apagão em São Paulo em 2009. (http://www.guardian.co.uk/)


Falta de energia: empresas de energia, que operam linhas de transmissão longas, estão sujeitos a danos causados por CMEs. Em 13 de março de 1989, Quebec e partes do nordeste dos Estados Unidos, sofreram uma falha de energia por nove horas afetando mais de 6 milhões de pessoas, devido a uma tempestade geomagnética de grande porte. Tempestades solares também são prejudiciais aos equipamentos de transmissão de energia elétrica, especialmente geradores e transformadores.


Falha nas comunicações:  as tempestades solares podem afetar adversamente a tecnologia atual de satélites, por interferir com os sinais enviados de e para os satélites. Muitas empresas são suscetíveis a CME por causa da alta dependência de comunicações via satélite. Sistemas GPS e telefones celulares também podem ser afetados por CMEs.


Nenhum desses eventos é de causa exclusiva por eventos solares. Um planejamento de emergências que contemple esses cenários, mesmo causado por outros motivos, já deve ter contingências para esses casos, que podem ser adaptadas às tempesdates solares.


Para saber mais sobre a atividade solar e receber avisos e alertas, acesse: http://www.swpc.noaa.gov/.

domingo, 22 de abril de 2012

Massacre de Realengo - lições para o gerenciamento de emergências

Em 7 de abril de 2011,  Wellington Menezes de Oliveira invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, armado com dois revólveres e atirou contra os estudantes, matando doze e ferindo dezenas. O atirador cometeu suicídio após ser ferido e encurralado pela polícia. O triste episódio ficou conhecido como o Masacre de Realengo.

Escola Municipal Tasso da Silveira, momentos após o crime. (Wikimedia Commons) 


A sociedade ficou estarrecida com o crime que pensávamos que nunca ocorreria aqui e debates acalorados sobre a segurança em nossas escolas surgiram. Mas, passado um ano, será que alguma lição pode ser aplicada ao Gerenciamento de Emergências?

O crime representou aquilo que se conhece por ocorrência de atirador ativo (active shooter). Segundo o Department of Homeland Security (DHS), "um atirador ativo é um indivíduo ativamente engajado em matar ou tentar matar pessoas em uma área confinada e povoada; na maioria dos casos, atiradores ativos usam armas de fogo e não há um padrão ou método para sua seleção de vítimas".


Active shooter


Até o Massacre de Columbine, que aconteceu em 20 de abril de 1999, no Condado de Jefferson, Colorado, Estados Unidos, o procedimento padrão policial para esse tipo de ocorrência nos Estados Unidos era o de "conter e esperar" (contain-and-wait): para evitar ferimentos em policiais e civis,  os primeiros policiais isolavam o local e aguardavam a chegada das equipes táticas da SWAT, que adentrariam no cenário. Em Columbine, o procedimento falhou completamente: durante os 45 minutos entre o isolamento do local e a chegada da SWAT, Eric Harris e Dylan Klebold atiraram em 10 das 13 pessoas que mataram.


A partir disso, o procedimento padrão passou a ser o enfrentamento imediato do atirador, para que ele cesse os disparos: exatamente o que fez em Realengo o então 3º Sargento PM Márcio Alexandre Alves e seus colegas (na minha opinião, mais por um feeling correto do policial do que por causa de treinamento para situação de atirador ativo).


Policiais americanos treinam para conter um atirador ativo. (http://policecrunch.com/)


Preparação


Mas, e por aqui, será que aprendemos alguma coisa? Será que hoje nossos policiais têm programas para enfrentamento de atiradores ativos? E quanto às escolas ou empresas, a ameaça de atirador ativo foi identificada e tratada? 


Conforme já discutido na postagem sobre crises em segurança pública, o trabalho deverá ser no sentido de diminuir as vulnerabilidades. A grande vantagem de fazer o planejamento de emergências baseado em uma análise de ameaças e riscos (all hazards) é que após a identificação de ameaça e do dano, a resposta para um evento serve para muitos outros.


Assim, o reforço da segurança física de áreas e instalações serve tanto para deter um atirador ativo quanto um assaltante comum. Procedimentos para equipes de segurança e emergência podem tanto ser acionados no caso de assalto a um caixa eletrônico nas dependências da empresa, quanto para um atirador desequilibrado.


O "público em geral" também precisa ser orientado sobre o que fazer. Nos Estados Unidos, até curso a distância gratuito existe para isso.


Na postagem anterior, citei uma passagem de Lewis Carroll sobre lições (não) aprendidas em eventos traumáticos que, creio eu, merece uma repetição:

"O horror daquele momento," o rei continuou, "eu nunca, nunca vou esquecer!"
"Você vai, no entanto," disse a Rainha, "se você não fizer um memorando sobre isso."
Lewis Carroll, Through the Looking-Glass, and What Alice Found There, 1871



Essa ameaça, como outras, precisa ser identificada e as organizações precisam estar preparadas. Não adianta simplesmente esquecer e fingir que não irá acontecer de novo.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Titanic - lições para o gerenciamento de emergências

A data de 15 de abril de 2012 marcou o centésimo aniversário no naufrágio do Titanic, que deixou 1.513 mortos nas águas do Atlântico Norte em 1912. Além de gerar livros e filmes, a tragédia ensinou algumas lições para o transporte marítimo, tanto é que os avanços na navegação moderna levaram a uma redução de 85% no número de acidentes graves com navios ao redor do mundo, segundo estudos da Lloyd's Register e da seguradora alemã Alianz.

Na área de Gerenciamento de Emergências, podemos perceber que a tragédia também produziu impacto.
O Titanic na sua malfadada viagem inaugural (http://www.titanicuniverse.com/).

Lições aprendidas

"O horror daquele momento," o rei continuou, "eu nunca, nunca vou esquecer!"
"Você vai, no entanto," disse a Rainha, "se você não fizer um memorando sobre isso."
Lewis Carroll, Through the Looking-Glass, and What Alice Found There, 1871

Duas publicações interessantes foram lançadas nos últimos tempos abordando o tema. Em uma deles, os economistas suecos Mikael Elinder e Oscar Erixson analisaram 18 dos maiores naufrágios ocorridos entre 1852 e 2011 e concluíram que o comportamento altruístico de "mulheres e crianças primeiro" do Titanic foi uma exceção, já que as crianças apresentaram a taxa de sobrevivência mais baixa, enquanto as taxas mais altas foram de tripulantes. No meu ver, embora sempre possa haver um Comandante Francesco Schettino, mais do que mostrar que um comportamento egoísta é o reinante em situações de desastre, essas taxas de sobrevivência mostram que as diferenças entre o desenvolvimento neurológico e cognitivo entre crianças e adultos são ignoradas no planejamento de emergências, conforme já colocado na postagem sobre crianças em emergências. Além disso, o estudo aponta diferenças enormes entre a preparação e treinamento dos tripulantes e dos passageiros.

Os botes salva vidas do Titanic se aproximam do Carpathia (http://www.titanicuniverse.com/).

Em outra publicação, Regina Phelps analisa em seu blog algumas lições do naufrágio para o Gerenciamento de Emergências. Entre elas, podemos destacar a importância da comunicação, tanto interna quanto externa. Quando a ordem de abandono foi dada, podemos imaginar qeu os passageiros da terceira classe não devam ter tido muito acesso à informação. Na comunicação externa, o transatlântico estava equipado com o sistema Marconi de telégrafo sem fio, um dos mais modernos da época, mas poucas pessoas sabiam enviar ou receber mensagens pelo sistema.

O planejamento, mesmo para eventos impensáveis, como o naufrágio de um navio "insubmersível", deve ser levado a sério, feito e treinado. Quando o desastre ocorrer, se ocorrer, isso pode fazer a diferença entre viver ou morrer.


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Planejamento de emergências no transporte público

Na manhã de uma terça-feira, 21 de setembro de 2010, uma emergência afetou a Linha 3-Vermelha do Metrô de São Paulo, atrapalhando o funcionamento das 18 estações da linha, que vai de Coritinhians-Itaquera, na Zona Leste, até a Palmeiras-Barra Funda, na Zona Oeste. A linha, de 22 Km de extensão, transporta cerca de um milhão de passageiros por dia.


Na ocasião, a composição 309 parou de forma automática, em obediência ao sistema de segurança do Metrô.  Um funcionário desceu para verificar uma porta que não estava aberta, mas que constava como aberta. Demorou algum tempo e, três a cinco minutos depois, um passageiro acionou o botão de emergência. O trem ficou imobilizado e , diante da possibilidade dos passageiros descerem para a via férrea, o Metrô desenergizou a via, ocasionando uma interrupção da circulação dos trens. Os passageiros deixaram a composição espontaneamente, de acordo com documento da polícia.


O Metrô de São Paulo em um dia normal.


Teoricamente, o botão de emergência "não deveria ter sido acionado", já que a situação não configurava emergência. Porém, vamos relembrar as três condições para a existência de pânico, segundo o sociólogo Enrico Quarantelli:
- as pessoas devem ter a sensação que estão sendo aprisionadas, 
- devem ter uma grande sensação de impotência
- devem ter uma grande sensação de profundo isolamento.



Imagine-se dentro de um vagão lotado, parado há alguns minutos, sem explicações por parte do condutor... Será que as condições de pânico estarão presentes? Será que a situação não pode ser interpretada como uma emergência e, nesse caso, por que não apertar o botão de emergência?


Em setembro de 2009, um homem morreu esfaqueado em um trem do metrô de Nova Iorque. Após o crime, o que aconteceu? Como no caso brasileiro, um passageiro acionou o dispositivo de emergência, parando o trem, o que na verdade acabou atrasando o socorro e gerando críticas por parte da administração do metrô. Também como no caso brasileiro, o botão de emergência deve ser acionado em algumas emergências, mas não todas, explicação que consta no website do metrô novaiorquino.


Conforme nota Amanda Ripley no seu blog, "se a explicação de dispositivo de "emergência, mas nem todas as emergências"  não faz sentido quando estou sentada no meu sofá, como posso esperar para saber o que fazer quando acabei de passar por algo traumático? O cérebro não funciona bem sob stress e se pode esperar que consiga instantaneamente distinguir entre diferentes tipos de situações de emergência".


O breque de emergência do metrô de Nova Iorque. ( http://www.nytimes.com/  )


O New York Times entrevistou vinte usuários do metrô e metade deles não fazia a mínima ideia de quando usar o dispositivo de emergência ou não. É de se imaginar que uma pesquisa feita por aqui não teria resultados melhores.


Mais uma vez, fica demonstrado que o planejamento de emergência deve ser feito levando-se em conta o comportamento real dos envolvidos na situação de crise e não apenas estereótipos e crenças infundadas sobre como eles irão se portar. Além disso, o público merece e necessita de informação o mais completa, clara e rapidamente possível, para evitar situações como a de São Paulo.