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sábado, 2 de janeiro de 2016

Incêndio no Museu da Língua Portuguesa: Algumas Lições

Depois de um longo tempo sem publicar nenhum texto, volto ao blog Emergência Brasil. Além de me interessar muito pelo Gerenciamento de Emergências, creio que o tema sofre com uma falta de canais para discussão, em português e voltados para nossa realidade. Espero poder voltar a escrever de tempos em tempos e contribuir um pouco para melhorar essa situação. Como sempre, gostaria de receber comentários e sugestões, pois eles ajudam a melhorar o blog.

Um caso recente que esteve em evidência na imprensa é o do incêndio no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Um incêndio de grandes proporções atingiu o museu no dia 21 de dezembro de 2015. O site do Valor Econômico informa que, “segundo o Corpo de Bombeiros, as chamas destruíram o segundo e o terceiro andares do prédio. O teto de madeira desabou. A estrutura da estação de trem, erguida em 1867, não sofreu dano”. Um Bombeiro Profissional Civil (BPC) que trabalhava no local morreu durante o incêndio. A Estação da Luz, que fica no mesmo local, ficou interditada por vários dias, abrindo parcialmente somente no dia 31 de dezembro.
 
O incêndio no Museu da Língua Portuguesa.
Foto: Vivian Gaspari (reprodução/Facebook) (catracalivre.com.br)

Vários temas relacionados ao Gerenciamento de Emergências podem ser discutidos a partir da trágica ocorrência. Neste post, vamos explorar algumas lições que podem ser aprendidas com a pior consequência do caso, a perda do Bombeiro.

Segundo a Veja São Paulo, o BPC Ronaldo Pereira da Cruz, de 38 anos, era o único Bombeiro trabalhando no museu naquele dia. Após retirar de 30 a 40 funcionários do prédio, que estava fechado à visitação, ele retornou para combater as chamas e veio a morrer, asfixiado pela fumaça.

É claro que as atitudes do BPC fizeram diferença para aquelas pessoas que ele conseguiu retirar do museu e que ele se foi como um herói. Apesar disso, eu sempre acreditei que uma das melhores maneiras de se homenagear alguém que perdeu a vida no cumprimento do dever é aprender com o caso, para que vidas possam ser poupadas no futuro.

Nesse caso, um dos pontos mais visíveis é a falta do equipamento de proteção respiratória. Para casos de emergência, o equipamento adequado é aquele autônomo, ou SCBA, em inglês. Um equipamento top de linha pode custar cerca de sete mil dólares e são poucas as empresas ou entidades particulares que contam com esse equipamento indispensável ao atendimento de emergências.

O incêndio na Ciferal em 2010.
Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia (odia.ig.com.br)


Esse não é o primeiro caso onde BPCs ou Brigadistas perdem a vida por falta da proteção respiratória. Em 22 de setembro de 2010, seis pessoas morreram e duas ficaram feridas em um incêndio na empresade carrocerias de ônibus Ciferal, em Duque de Caxias, RJ. Cinco dos mortos eram Brigadistas que combatiam um incêndio no estacionamento no porão da empresa, sem utilizar SCBAs.

Não custa lembrar que o Programa de Proteção Respiratória foi oficializado pela Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho através da Instrução Normativa nº 01, de 11 de abril de 1994, publicada no Diário Oficial da União em 15 de abril do mesmo ano, portanto há mais de vinte anos! Para quem ainda não tem, a publicação da Fundacentro "Programa de Proteção Respiratória: Recomendações, Seleção e Uso de Respiradores", coordenada pelo saudoso Professor Maurício Torloni, pode ser baixada gratuitamente a partir do website da Fundacentro.  

Está lá, em 4.3.2, a recomendação da proteção respiratória para ambientes com condições imediatamente perigosas à vida ou à saúde (IPVS), como é o caso de um incêndio estrutural:
O respirador que deve ser usado em condições IPVS provocadas pela presença de contaminantes tóxicos, ou pela redução do teor de oxigênio, (...) é a máscara autônoma de demanda com pressão positiva, ou uma combinação de um respirador de linha de ar comprimido com cilindro auxiliar para escape. Enquanto o trabalhador estiver no ambiente IPVS, uma pessoa, no mínimo, deve estar de prontidão, num local seguro, com o equipamento pronto para entrar e efetuar o resgate, se for necessário. Deve ser mantida a comunicação contínua (visual, pela voz, telefone, rádio ou outro sinal conveniente) entre o trabalhador que entrou no ambiente IPVS e o que está de prontidão (..)

Infelizmente, a lei não foi cumprida e as lições do passado não foram aprendidas... como resultado, mais um Bombeiro teve que perder a vida.

3 comentários:

  1. Concordo e endosso plenamente a abordagem, caro amigo e companheiro profissional de Emergência, Marcelo T. Ludovico. Apesar das negativas via imprensa, é lastimável a perca do acervo cultural que tivemos. Podemos ressaltar também com essa ocorrência, a importância da elaboração de um Plano Geral de Emergência para cada edificação, com o reconhecimento dos seus respectivos riscos e um plano de ação bem estruturado para o controle da emergência e minimização de suas consequências. Será que tínhamos essa importante e fundamental ferramenta de prevenção no Museu da Língua Portuguesa? Com certeza mais uma vez a lei e as Normas de Seguranças foram ignoradas e um profissional no cumprimento de sua tarefa veio a perder a vida. E já que falamos em Leis e Normas, como fica a LEI COMPLEMENTAR Nº 1.257, DE 06 DE JANEIRO DE 2015 promulgada pelo governador Geraldo Alckmin, que Institui o Código estadual de proteção contra Incêndios, onde define em seu Artigo 1º - "Fica instituído o Código Estadual de Proteção Contra Incêndios e Emergências com o objetivo de sistematizar normas e controles para a proteção da vida humana, do meio ambiente e do patrimônio, estabelecendo padrões mínimos de prevenção e proteção contra incêndios e emergências, bem como fixar a competência e atribuições dos órgãos encarregados pelo seu cumprimento e fiscalização, facilitando a atuação integrada de órgãos e entidades".
    Portanto as leis e normas estão aí, mas infelizmente não basta estar apenas no papel, devem estar devidamente descritas, implantadas e treinadas na prática, onde de maneira nenhuma permita que um profissional de atendimento à emergência, atue sozinho se expondo a riscos explícitos e principalmente sem utilizar equipamentos que são vitais para sua segurança e desenvolvimento de sua função.

    FICA A DICA!!!

    At
    Paulo Amaro da Silva

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    1. Paulo, obrigado pelo comentário!
      Concordo, por mais que o acervo alegadamente não fosse composto por peças únicas e sim por obras que teoricamente podem ser refeitas, sempre há um prejuízo financeiro e cultural (sem falar, no humano, é claro). Some-se ao sinistro do museu, o incêndio do auditório do Memorial da América Latina e o fechamento por uma década do “Museu do Ipiranga” ... a situação é ruim mesmo. Por conta de todos essas facetas dos danos do incêndio é que instalações culturais, talvez até mais que outras, precisam realmente de um plano de emergência e de, no mínimo, a aplicação exemplar da legislação pertinente, além de outras medidas que fossem determinadas por profissional da área.
      Abraço e obrigado pela participação.

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  2. Serei bem objetivo: Este profissional, reconhecido como Bombeiro Profissional Civil, para exercer a função teve curso específico e trabalhava sob ordem de uma empresa prestadora de serviço. Conhecia o ambiente e conhecia princípio de incêndio quando, segundo informações adotou o abandono, salvando vidas (claro)inclusive a sua. Parabéns, mesmo não atuando na prevenção do incêndio, já que este iniciou-se em uma instalação elétrica. Este jovem deixou-se levar pela emoção encarando uma situação de incêndio sem condições técnicas. Perdeu. Fica o caso como aprendizado aos novos trabalhadores da área, ou seja: invistam nos vossos conhecimentos e abracem a prevenção como arma de sobrevivência. Condeno os responsáveis gerenciais prestadoras de serviço.

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