Pesquisar este blog

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Lutar ou fugir: outro mito no planejamento de emergências?


O Professor Cannon.

Voltando ao comportamento humano em caso de emergências, vamos analisar o comportamento de “lutar ou fugir”. O uso do termo para descrever o comportamento humano em situações de ameaça foi cunhado pelo Professor Walter Cannon, de Harvard, em 1927, ao expor que alterações corporais nos animais, como o aumento do açúcar no sangue, a produção de adrenalina e a circulação alterada, são adaptações biológicas para situações de provável dor e excitação emocional, com a necessidade de lutar ou fugir.

Atualmente é bastante difundido o conceito de que os seres humanos, quando expostos a situações de medo ou estresse extremo, como as encontradas durante emergências, irão de modo imediato apresentar o clássico comportamento de “lutar ou fugir”, isto é, irão enfrentar a situação diretamente ou tomar uma ação evasiva.

Levando em conta essa crença, conforme observa o psicólogo inglês John Leach, sistemas para escape, evacuação, e resgate são projetados com a premissa de que as pessoas serão próativas em face do perigo.

Porém, estudos mais recentes propõem uma revisão nesse comportamento de “lutar ou fugir”, sugerindo que a seqüência de comportamentos de mamíferos frente a uma ameaça pode ser mais corretamente caracterizada como paralisia, luta, fuga e espanto (in inglês, “fright”).

A primeira reação instintiva da seqüência é a paralisia, também chamada de hipervigilância. Nesse estado, cessam praticamente todos os movimentos, exceto os relacionados à respiração e o movimento dos olhos. Conforme o pesquisador H. Stefan Bracha,
essa resposta inicial de paralisia é a tendência de ação de “parar, olhar e ouvir” associada com o medo. Presas que ficam “paralisadas” durante uma ameaça tem maior probabilidade de evitar a captura, porque o córtex visual e a retina dos mamíferos carnívoros (e, em grau menor, do Homo sapiens macho) evoluíram primariamente para detectar objetos em movimento e não cor.

A paralisia dificulta a localização da presa pelo predador.
Na paralisia, o animal prepara-se para o comportamento seguinte, a fuga, já que a tentativa de lutar ocorre apenas depois de esgotadas as possibilidades de fuga. Assim, a ordem correta das reações seria “fugir ou lutar” e não “lutar ou fugir”.

A resposta de espanto, também conhecida como imobilidade tônica, ocorre durante o contato físico direto do carnívoro (ou do predador humano). Esse comportamento ancestral baseia-se na premissa de que uma preza capturada tem mais chances de escapar ficando imóvel do que lutando, já que o predador pode pensar que ela já está morta e afrouxar a mordida. Esse tipo de comportamento inconsciente é considerado por alguns como uma explicação para a apatia de algumas vítimas de violência sexual durante o ataque.

No livro “In Harm´s Way”, o autor Doug Stanton conta a história do naufrágio do USS Indianapolis, torpedeado por um submarino japonês em 1945, e da luta pela sobrevivência dos marinheiros que se salvaram. Nos momentos entre o cruzador ser atingido e ir a pique, alguns tripulantes reagiram de maneiras estranhas: um retornou aos seus aposentos para terminar cartas para casa, outro parou para cortar as unhas dos pés e outro ainda fez um sanduíche e comeu. Um dos sobreviventes conta que apesar do medo da morte, simplesmente não tinha desejo de sair de uma das salas do navio, até que escutou alguém gritar para que abrisse uma escotilha. Nesse momento, saiu do estado de apatia e conseguiu escapar. Nesse caso, a imobilidade tônica se confunde com o comportamento do viés de normalidade, abordado na postagem do dia 6 de janeiro.
O U.S.S. Indianapolis.

O naufrágio do MV Estonia no Mar Báltico, em 28 de setembro de 1994 serve novamente como caso de estudo para o comportamento humano em desatres e emergências. Conforme a Joint Accident Investigation Commission of Estonia, Finland and Sweden, no relatório emitido em 1997, alguns passageiros foram vistos sentados, parados, incapazes de fazer nada, paralisados e aparentemente incapazes de compreender o que estava acontecendo. O relatório fala de pessoas ficando passivas, apesar de possibilidades razoáveis de escape. Das 989 pessoas a bordo, 852 perderam a vida.

Em 14 de fevereiro de 2008, um ex-estudante invadiu uma sala da Universidade de Illinois Norte na cidade de DeKalb, matando 5 pessoas, ferindo 18 e suicidando-se em seguida, num episódio que ficou conhecido como o “tiroteio da Universidade de Illinois Norte”. Conforme um relatório pós incidente da U.S. Fire Adminsitration, quando as primeiras equipes da polícia do campus entraram na cena do tiroteio, encontraram cerca de seis estudantes ainda sentados em seus lugares, em choque.

Planejamento de emergências

Muitas empresas empregam a figura do coordenador de abandono, que pode ser membro ou não da Brigada de Incêndio, com a função de reunir os funcionários e conduzi-los em segurança a um ponto de encontro pré-determinado, caso seja determinada a evasão da área ou edificação. No World Trade Center em 2001, o sistema de coordenadores de abandono, chamados de “Fire Marshalls”, estava em uso, porém, conforme estudos posteriores, 94% deles jamais havia saído dos prédios como parte de um treinamento e apenas 50% se disseram capazes de se evadir dos prédios sozinhos.

O sistema de coordenadores de abandono pode ser utilizado com sucesso, desde que eles sejam corretamente treinados para a evasão segura da edificação e estejam visivelmente identificados. O coordenador deve ainda ter uma postura ativa, não somente conferindo os presentes e conduzindo-os para as saídas de emergência, mas dando instruções objetivas e de modo claro, em voz alta, se necessário com o auxílio de megafone, de forma a neutralizar a reação de hipervigilância e/ou imobilidade tônica.

Confirmando essa ideia, Amanda Ripley cita o caso de uma funcionária do World Trade Center 1 que, após a colisão do avião com a torre, relatou que não teve vontade de abandonar o edifício, até que um colega gritou “saia do prédio”, quando então iniciou a evasão.

Mais uma vez, o conhecimento dos mecanismos da atuação humana frente a emergências e desastres pode eliminar a visão distorcida de como os envolvidos irão se comportar – a mitologia dos desastres. Assim, conceitos utilizados durante a fase de pré-crise irão levar a uma previsão mais realista de como será o comportamento das pessoas na situação emergencial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário