A quinta-feira, 12 de janeiro de 2012, marcou um ano da
tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro, que deixou o terrível saldo de
918 mortos e 215 desaparecidos após as fortes chuvas que atingiram sete municípios. É como se sete Boeing 737-700 tivessem caído
sem deixar sobreviventes e quase dois Airbus A-319 tivessem sumido. Tudo isso
em alguns poucos dias.
É de se esperar que tamanha perda humana e material tenha
provocado uma sensibilização maior quanto aos riscos de desastres e iniciado mudanças
para melhor nas nossas cidades. Mas... Será?
Tornando as cidades
resilientes
Resiliência é “a propriedade pela qual a energia armazenada
em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma
deformação elástica”. A definição da Física foi emprestada ao Gerenciamento de
Emergências, ganhando a acepção da habilidade de um sistema, comunidade ou
sociedade exposta a perigos de resistir, absorver, acomodar e se recuperar de
efeitos do perigo de modo rápido e eficiente, incluindo a preservação e
restauração de suas estruturas e funções essenciais.
A ONU, através da International Strategy for Disaster Reduction (ISDR), promove até 2015 a campanha "tornando as cidades resilientes”. Entre as características das cidades
resilientes citadas pela ISDR, estão:
- evitar desastres, porque toda a população vive em casas e bairros servidos pela boa infraestrutura (água encanada, saneamento e drenagem boa, estradas, energia elétrica) e serviços (de saúde, escolas, coleta de lixo, serviços de emergência), em estruturas que satisfaçam os códigos de construção, sem a necessidade de assentamentos informais em planícies de inundação ou declives acentuados porque nenhuma outra terra está disponível;
- compreender os seus perigos, e desenvolver uma forte base de informação local sobre os perigos e riscos, de quem está exposto e quem é vulnerável;
- tomar medidas para antecipar desastres e proteger os ativos - pessoas, suas casas e bens, o patrimônio cultural, o capital econômico - e ser capaz de minimizar prejuízos físicos e sociais decorrentes de eventos climáticos extremos.
A Região Serrana do
Rio de Janeiro
O CREA-RJ divulgou um relatório, com base em com base em vistoria realizada nos municípios de Nova Friburgo, Bom Jardim e Teresópolis, mostrando que, dos 170 locais apontados
como perigosos, apenas oito tiveram obras iniciadas, sendo que muitas não foram
finalizadas antes do período das chuvas. Segundo o site R7, o representante do Conselho afirmou que
“o tempo para fazer as obras de prevenção passou. A prevenção deveria ter sido
feita na estiagem, entre maio e outubro do ano passado. O morador tem que
torcer para não chover em Nova Friburgo, onde a situação é mais crítica, por
exemplo”.
Resgate de corpos em Sapucaia (http://odia.ig.com.br/). |
Neste verão, na cidade de Sapucaia, no Centro Sul
Fluminense, 22 pessoas morreram devido a deslizamentos. Mais de 24 mil pessoas foram expulsas de suas
casas por causa da enchente dos rios no norte e noroeste fluminense.
Parece que alguns administradores públicos não viram o site
da ISDR... Entra ano, sai ano, as tragédias se repetem e os governantes não se
antecipam para remover quem mora nas áreas de risco ou fazer as obras
necessárias para evitar os desastres quando a chuva chega.
O governo, em um gesto nem um pouco surpreendente, apostou
suas fichas em uma solução tecnológica: o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão subordinado ao Ministério da
Ciência e Tecnologia, que custou R$ 14 milhões e cobre apenas 20% das cidades
com risco elevado de desastres naturais. Sem dúvida, um sistema de informações
é importante, mas não deve ser a principal e muito menos a única medida a ser
tomada.
Verbas
No post do dia 10/12/2011 abordei o assunto da distribuição deverbas para a Defesa Civil. Além dos problemas já levantados neste blog, recentemente
um levantamento da organização Contas Abertas mostrou que 90% das verbas pagas no orçamento do ano passado como parte do programa federal de prevenção de desastres naturais tiveram como destino um só estado, Pernambuco. Não por coincidência, é a terra do
ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, responsável por gerir
os recursos. O Estado também lidera a previsão de gastos, para este ano, das
verbas destinadas à gestão de riscos e resposta a desastres, com 81 milhões de
reais programados para sair, enquanto o Rio de Janeiro espera apenas por 73
milhões de reais.
Bom exemplo
Nesse panorama triste, a cidade de Belo Horizonte pode ser considerada uma honrosa exceção. Desde 1993, o poder público reduziu em
81% o número de casas localizadas em áreas de risco. Como consequência, a
cidade não registra mortes em deslizamentos de encostas há três anos. Para
chegar a esse resultado, o governo cumpriu uma tarefa básica: parou de atuar
apenas quando já era tarde demais e começou a agir sistematicamente, ao longo
de todo o ano, para evitar a ocupação ou a reocupação dos locais condenados. O
primeiro passo foi a realização de um mapeamento geológico do município. As
áreas suscetíveis a deslizamentos foram identificadas e seus moradores,
cadastrados. Em seguida, a administração passou a fazer as desapropriações e
demolições necessárias. Hoje, restam apenas 2800 moradias em locais
considerados perigosos. Essas casas são monitoradas permanentemente por
técnicos da prefeitura. Ao menor sinal de comprometimento estrutural, seus
moradores são removidos. A maior parte dos terrenos considerados instáveis
também já está cercada por muros de contenção e recebe a visita periódica de
fiscais para assegurar que continuará desocupada. São medidas elementares – e
insuficientes para resolver o drama das enchentes. Mas elas permitem que o
estado cumpra sua ainda elementar obrigação de tornar suas cidades resilientes
e não deixar seus cidadãos expostos à tragédia iminente.
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